Um homem que é meu
e me leva no cano da bicicleta
Bicicleta que, sem que eu tenha jamais pedalado
ele chama nossa
Bicicleta que ele senta e pedala
e eu sento
Cruzadas pernas
como uma dama de antigamente
num cavalo de antigamente
dessas histórias de antigamente
que eu nunca li e nunca ouvi
mas sei
Só não sei como
Como se estivesse no meu sangue
nascer sabendo sentar assim
Desde a minha avó
Mocinha do agreste em lombo de jumenta ruça
indo pro litoral
onde o mundo é de mar e ninguém passa sede
onde há saliva para beijos de amor
Desde a minha avó
Viúva de guerra
que teve negado um único pedido por seu homem honrado,
que não quis fugir à luta
Cavalga agora em sonho até o fim da vida
Desde a minha avó
Mulata fugida em cavalo roubado
indo pro quilombo
onde há a alegria de não pertencer
senão a Deus e a seu homem
Desde a minha avó
Escrava romana
com seu companheiro fugindo
de povo tão bárbaro quanto eles já foram
indo pra detrás dos muros de quem os capturara
Desde a minha primeira avó
que amou Adão
ou um
Homo algumens coisens
Talvez em quando não há cavalo
mas homem há pra cavalgar
Me despeço com um beijo de contos de fadas
e vejo meu homem
com suas esporas cavalgar
a bicicleta de prata crina e cauda