domingo, 23 de junho de 2013

Coração

Um coração duro,
um coração amargo.
Houve tempos de fogo,
houve o espaço pleno de calor.
Um coração escuro,
um coração mirrado.
Era o fim
do churrasco
sobre a tábua de madeira.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Senhora Nome de Alguém

Eu, sra. Eme de Mulher
Senhora Efe de Fêmea

Eu, jamais senhorita
Nunca projeto de feminino
Eu nascida plena

O que afirmo não é o que tenho entre as pernas
Pois muitos de mesma forma não se assemelham
Vários de formatos vários são essencialmente iguais

A biologia não abarca o humano

Afirmo sim
Minha condição de mulher

Não de mãe
ou receptáculo de esperma
Minha condição de mulher

Mesmo que me seja intransponível,
intraduzível o significado

Eu sei
Porque sinto que é o meu lugar no mundo

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Sapatos azuis: a perfeição

Sapatos azuis. A perfeição. Hipnotizada, segui-os por caminhos ainda não caminhados. Tentei imitar o desacerto dos passos, torto pisava, pegadas tais. Ineficiente andei. Nos vidros refletidos dos carros busquei o rosto. Acomodei íris, pupilas no canto dos olhos, o rosto em frente. Nada não vi. Desescolhi o rastro e ao lado caminhei bisolhando ao lado. Ao nada alcancei. Mais ágeis foram meus pés em chinelos calçados. Pra trás ficaram azuis os sapatos. À noite, quando do céu o azul já arrancado, sonhei que era eu os pés, tortos pra dentro de si de mim.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Discacho

Meu cabelo é um discurso

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Condição humana

A dor é inata
Dentro da gente é um nó
Que não se desata

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Pedalgar

Um homem que é meu
e me leva no cano da bicicleta
Bicicleta que, sem que eu tenha jamais pedalado
ele chama nossa
Bicicleta que ele senta e pedala
e eu sento

Cruzadas pernas
como uma dama de antigamente
num cavalo de antigamente
dessas histórias de antigamente
que eu nunca li e nunca ouvi
mas sei
Só não sei como

Como se estivesse no meu sangue
nascer sabendo sentar assim

Desde a minha avó
Mocinha do agreste em lombo de jumenta ruça
indo pro litoral
onde o mundo é de mar e ninguém passa sede
onde há saliva para beijos de amor

Desde a minha avó
Viúva de guerra
que teve negado um único pedido por seu homem honrado,
que não quis fugir à luta
Cavalga agora em sonho até o fim da vida

Desde a minha avó
Mulata fugida em cavalo roubado
indo pro quilombo
onde há a alegria de não pertencer
senão a Deus e a seu homem

Desde a minha avó
Escrava romana
com seu companheiro fugindo
de povo tão bárbaro quanto eles já foram
indo pra detrás dos muros de quem os capturara

Desde a minha primeira avó
que amou Adão
ou um Homo algumens coisens

Talvez em quando não há cavalo
mas homem há pra cavalgar

Me despeço com um beijo de contos de fadas
e vejo meu homem
com suas esporas cavalgar
a bicicleta de prata crina e cauda

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Remoto controle

Vamo largar esse negócio
de conta em banco, cartão
Esse papo de gente grande
Traz o lençol e edredon
Traz os gatos
e os cachorros, se tiverem banho tomado
Vamo viver nesse sofá e ligar a televisão
Deixa o controle em minha mão
A gente assiste qualquer coisa
que não seja propaganda política
ou tiroteio e gente morta
Liga em algum programa incapaz de causar revolta
Tem suco e refrigerante,
mas nem traz que vai ficar quente
Melhor água natural,
chá na temperatura ambiente
Café na garrafa térmica e leite só pra pingar
Tem biscoito
Tem sorvete, deixa derreter que eu gosto
A gente pula o almoço
Sobremesa é a comida do rei,
quando a gente é criança
Traz as frutas que eu já lavei
E o lixo pra jogar as cascas?
E a gente sujando o lençol?
E o controle remoto, cadê?
Ficou embaixo de você embaixo de mim,
ou embaixo de mim embaixo de você
Passa a mão procurando
pelas minhas pernas
Você me belisca
e eu te belisco
De belisco em belisco, adivinha...
A gente perde o controle.
 
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